terça-feira, 11 de agosto de 2009

Intervenção Urbana


Intervenção urbana

"As cidades, armadas por uma nova trama de circuitos de arquitetura, transporte e comunicação, rasgam-se em todas as direções. Um avanço que converte num amálgama de áreas desconectadas. Espaçamento e desmaterialização são mecanismos da expansão urbana. Ao avançar, a metrópole deixa um vácuo atrás de si. E estes espaços, que antes repousavam esquecidos nos becos, cantos e paredes, agora serão resgatados."

José Linhares Jr.


Por que intervir na cidade? – Interferências refletem rupturas do cotidiano urbano e com os espaços cinzas que o concreto proporciona. Tudo isso provocado pela busca de uma nova situação, pela supressão dos padrões de medidas e da introdução de estruturas descontínuas e relações sem hierarquia. Enfim, liberdade. Como gosta de dizer o interventor urbano Rafo Castro. Nós pegamos o vazio e tentamos colori-lo. Todos aqueles espaços mortos, que geralmente passam despercebidos, começam a ser ressuscitados.
Rafo, natural do Rio de Janeiro, designer por profissão e interventor por ofício, é um dos novos artistas que tenta resgatar o brilho que as cidades perdem a cada dia, um dos novos adeptos da intervenção urbana artística. Tudo que acontece no meio urbano é uma intervenção. Desde o cara que vende bombons até aquele outdoor que vende refrigerante. O que diferencia o nosso trabalho dos demais é o caráter sumariamente estético, conceitua.
Provocar tensões entre as diversas operações urbanas (respeitando evidentemente a unicidade e a dinâmica de cada uma delas), amplificar seu significado e impacto urbano, cultural e social, intensificando a percepção (crítica inclusive), por parte do cidadão comum, destes processos, é a intenção da intervenção urbana.
Se você põe um cartaz em um orelhão, ou pinta um canto de parede qualquer, a pessoa não precisa saber de início o que aquilo é. O interventor dá a cor, o significado parte da subjetividade de cada um, diz Rafo.
Quando um artista, conscientemente, altera o meio urbano, ele constrói o novo. A partir daí, aos olhos da população que desconhece a existência do artista, a obra parece ter parado ali por acaso, diz o também designer e interventor, Marcelo Lustosa.
O não-movimento - Marcelo, assim como Rafo, faz parte desse, segundo eles mesmos, barulho. Movimento para mim foi a Tropicália, que era mais organizado e tinha aspectos mais complexos. Não considero a intervenção artística um movimento, mas uma nova forma de tornar o convívio entre arte e cidade mais agradável, avalia Rafo.
Intervenções urbanas não podem se restringir a situações circunscritas e controladas, como as que caracterizam as exposições e os movimentos. Elas devem tratar com circunstâncias que escapam por completo ao seu domínio, com variáveis incalculáveis e escalas muito maiores do que as abarcadas pelas ações previstas. Lidam com sistemas e movimentos infinitamente mais amplos e complexos. São intervenções que visam, a partir de ações tensionadoras e articuladoras, reorientar tendências, redirecionar fluxos e dinâmicas urbanas.
A reação do público é o fim, o palco (meio urbano) é o meio. Deixamos nossa subjetividade romper com o cotidiano alheio, informa o publicitário Marcelo Podestá.
Não é preciso legenda, a base é a subjetividade, quebra de rotinas, até mesmo da rotina de pensamento. A pessoa que passa na rua e vê uma intervenção, fica pensando naquilo por minutos, horas e até mesmo dias. Um novo movimento? Eu não acho. Concordo com o Rafo, é só um barulho que tem sua ressonância evidenciada na atenção do pedestre, fala Marcelo Lustosa.

Conceito - O trabalho do interventor, apesar de ser evidenciado na cor, ultrapassa a imagem e chega a ser, para muitos de seus adeptos, um novo conceito estético. Para estes jovens, hoje toda experiência urbana implica ruptura, distância. Tentativa de articulação de um espaço fragmentado, através das intransponíveis barreiras entre suas partes. Intervalos que se produzem no interior da própria cidade.
Marcelo Pedestá, que também aderiu ao barulho da intervenção, fala sobre união danosa entre publicidade e arte:
A arte usada pela propaganda possui um fim no dinheiro. Isto pode até bom, mas quando se escandaliza transforma tudo em logomarca. É uma mudança de valores, entende? Nos queremos ter como fim, não o dinheiro, mas a transformação.
A intervenção é antipublicidade porque não procura escancarar sua presença a todos, mas atingir com mais força o esquecido.
Imagine quantos cartazes e comerciais você é obrigado a ver todos os dias? Com o passar do tempo você vai se acostumando, e a propaganda vai aumentando para poder ser mais efetiva. Acho que vai chegar um dia que eles vão ter que pôr outdoors no céu, diz Rafo.
Nossa intervenção urbana é uma intervenção mais artística e menos compromissada. Você não paga para fazer, não exige que os outros vejam e nem cobra para ser visto. Faz tudo tendo em mente apenas um compromisso: a estética!, completa Rafo.
Vamos justamente no contrário disso. Um canto de parede, um orelhão, uma placa esquecida ou um vão qualquer são nossos espaços. Tamanho não é documento e quanto mais inacessível estiver a obra, mais estranhamento ela vai gerar, avisa Marcelo Lustosa.
Técnicas – As técnicas usadas pelos interventores são muitas, desde o artesanato até o uso de adesivos. No Brasil as mais utilizadas são os Graffites, o stencil e o lambe-lambe (cartaz), segundo Rafo.
O grafitte começou como uma vertente do movimento hip-hop. As curvas e o excesso de sombras são as características essenciais. As duas são causadas pelas limitações da ferramenta principal: o spray. O foco do spray não permite muito o uso de ângulos retos. Rafo costuma conversar sobre a história do graffite.
Tudo teve início em Nova York. Com o passar do tempo artistas plásticos começaram a utilizar as técnicas. Hoje, eu creio que a técnica superou o hip-hop. Até mesmo o uso de curvas e sombras em excesso foram abolidas. E as possibilidades hoje são maiores.
Rafo começou a intervir artisticamente na cidade por meio de uma outra técnica, os cartazes. Estes, por sua vez, começaram a ser utilizados pelo governo no período de guerras para recrutar pessoas e passar mensagens:
Comecei utilizando o lambe-lambe (nome dado aos cartazes em alusão à goma utilizada para afixá-los), que é a técnica mais indicada para os iniciantes. Além de ser fácil, você pode fazer em casa.
Marcelo Lustosa utiliza em suas intervenções uma outra técnica, o stencil. Ela também é muito simples. Você faz a forma do desenho em chapas de raios-x, dispõe a chapa na parede e vasa os espaços com tintas.
Sociedade – Em relação às posições que a sociedade toma em face as intervenções, os três estão convictos de que as opiniões se dividem:
Muita gente aprova, e tem uma outra parcela que condena, diz Rafo.
Às vezes, depende muito do tamanho da intervenção. Quando você está com um grupo pintando grandes telas, as pessoas te incentivam. Mas quando te vêem com uma tela de stencil e uma lata de spray na mão, são mais agressivas. A diferença do interventor e do pichador é muito grande. O interventor quer colorir, criar, dar vida a um espaço morto. O pichador só quer mesmo é aparecer, revela Marcelo Podestá.
Responsabilidade – Causar hiatos na narrativa urbana, interrupções no seu contínuo histórico não é vandalismo. Assim como propaganda disfarçada de arte não é arte, o mesmo acontece quando não se respeita a propriedade privada e o patrimônio da cidade. O que nós buscamos são os espaços intermediários, os mais passivos, as zonas mortas. Quando você intervém em uma obra de arte, como uma estátua ou casarão, não está sendo artístico, está sendo vândalo, aconselha Marcelo Podestá.
A cidade tem muito espaço a disposição. Eu, particularmente, nunca iria saber que no Rio existiam tantas caixas de energia se não tivesse começado a intervir nelas, diz Rafo.
Queremos provocar rearticulações no desenho da cidade, pela conexão de elementos afastados, e não pela destruição dos já consolidados, informa Marcelo Lustosa.

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