terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Considerações sobre o livro O Artífice de Richard Sennett – parte 1 - Prólogo

Na segunda reunião do ano da Confraria de Arte (07/02) começamos um debate caloroso sobre o fazer, baseado no livro O artífice de Richard Sennett.

Em determinado momento eu falava sobre o ensino de desenho e como eu desenvolvo o meu processo de ensino trabalhando em cima da estruturação do desenho e da percepção da forma, proporção e etc. Ai o Leonardo Paiva questionou sobre o fato de eu estar preparando copistas. A Valeria veiga interveio afirmando que os alunos que atendemos na rede pública antes de aprender a criar precisam ser trabalhados em sua auto-estima para depois seguirem mais confiantes buscando seu caminho criativo.

Acho que a resistencia do Leo em relação ao ensino da técnica, ou no como desenhar, está no fato de que após o ensino de Artes no Brasil ter passado por uma fase essencialmente tecnicista, principalmente a partir da década de 60 o que fez vários professores defender a idéia de que deveríamos deixar o aluno criar , solto, sem amarras. Acredito que podemos escolher um caminho do meio, ou ainda que precisamos de um certo direcionamento para adquirirmos mais confiança e segurança e conseguirmos ir além.

Quando começo a trabalhar com alunos de várias faixas etárias e que nunca fizeram um curso de desenho a primeira coisa que faço é avaliar seu traço, depois tentar perceber sua percepção do mundo, a sua atenção em relação ao que ve. Atualmente as pessoas não percebem bem o que ve, ou não param para pensar no que ve. Um dos primeiros argumentos que defendo para um maior aprofundamento no conhecimento da estrutura da forma e na valorização do desenho é justamente pelo fato de que não podemos fazer algo que nunca vimos, podemos fazer manchas, pintar aleatoriamente, mas será que isso satisfaz nosso desejo de criar se não tivermos um domínio da estrutura da forma ou uma visão espacial mais amadurecida?


Desenho feito de memória usando a tablet e o programa Corel Painter. Rose Valverde

Costumo perguntar: Você saberia desenhar um elefante? Ou um rinoceronte? Se você nunca viu um você vai inventar, mas, talvez se pareça mais com um cachorro ou um cavalo que é algo que o aluno já conhece.

Mas, se voce conhece um pouco da estrutura do animal quadrupede e eu fizer uma descrição mais detalhada de como é esse animal poderia até se aproximar do que é real. Enfim até quando criamos sem armazenar e até quando armazenamos para criar. Encaro nosso cerebro como um computador, que vai armazenando imagens e experiências e depois brinca com o que assimilou e acaba transformando e inventando coisas que não existiam antes.

Durante nossa conversa, em dado momento, o Leo questionou: Mais o aluno tem que copiar? Eu respondo por mim mesma, desenho desde criança, ora copiando, ora criando ou experimentando e percebo o quanto isso facilitou meu aprendizado em várias áreas e sei que a percepção espacial muito me ajuda a apreender conteúdos variados, mas, também me possibilita imaginar e criar até o que eu não vejo.



[...] As pessoas podem aprender sobre si mesmas através das coisas que fazem, a cultura material é importante [...] Podemos alcançar uma vida material mais humana, se pelo menos entendermos como são feitas as coisas.[...][1]


Imagina o computador, se não tivesse no seu software uma série de equações e milhares de variáveis, conseguiríamos hoje fazer um desenho utilizando a caneta digitalizadora? Como um processo matemático pode gerar um traço? É o que fazemos ao desenhar numa tablet. O que aparece no computador então é o nosso traço ou a conversão matemática de nosso traço? Seria um desenho menos criativo por isso? Os jovens de hoje não poderiam mergulhar em video games hiperrealistas se alguem não tivesse antes debruçado sobre uma prancheta ou mesa digitalizadora criando cenários, ações e etc. que só foram possíveis de ser concretizados a partir do desenvolvimento da técnologia digital. Mesmo se ele usa aparelhos em todo o corpo de um modelo com sensores, para captar os movimentos e depois renderizar como uma imagem virtual, ele vai necessitar de uma boa dose de experiência, técnicas de desenho e noções de perspectiva para que consiga passar uma impressão de realidade virtual.

Há pouco tempo pesquisando na internet, achei uma apostila para download, sobre um Curso Técnico de Formação para Funcionários da Educação. Fiquei curiosa e o material possuia um passeio sobre a história do desenvolvimento do homem através das Artes culminando na era digital e iniciando então o aprendizado prático em alguns softwares de fácil execução. Cito um trecho que faz um link entre a matemática, técnica e arte.

A filosofia especulava a respeito da origem do homem e da natureza do mundo físico, procurando o princípio de todas as coisas. Para o filósofo Pitágoras, o número era o princípio de todas as coisas (arché), de onde derivava a harmonia da natureza, feita à imagem da harmonia do número. Essas preocupações levaram os filósofos gregos à construção teórica de onde nasce a matemática.

Foram eles os primeiros a separarem a geometria de preocupações

puramente práticas, usadas para medição da terra.Tornaram a geometria uma ciência racional, que nunca mais deixou de ser desenvolvida, chegando a ser a base do surgimento da informática.

Na Grécia, o sentido geral do termo “técnica” coincide com o sentido geral do termo “arte”, compreendendo um conjunto de regras aptas a conduzir eficazmente uma atividade qualquer. Entretanto, a prática artística não tinha o mesmo valor que o pensamento filosófico, pois era ela considerada uma atividade menor, artesanal. Isso se deve à organização social que estabelecia que os piores trabalhos, que exigiam esforço físico, fossem feitos pelos escravos. Apesar disso, os gregos contribuíram com grandes artistas e pensadores que estabeleceram a base da cultura ocidental.

Surgem conceitos que estabelecem diferenças fundamentais para a compreensão do ser humano como um todo, como por exemplo, o de que todo ser é constituído de matéria e forma. Numa escultura, a matéria é o mármore e a forma é a idéia que o escultor realiza na escultura.[2]

Voltando ao aspecto do fazer, percebemos no livro de Sennett, como para ele o fazer esta relacionado a experimentação, em colocar a mão na massa, como dizem. Uma tese polemica defendida nesse livro é de que “até as habilidades abstratas tem início como práticas coporais, depois, que o entendimento técnico se desenvolve através da força da imaginação”.[3]

Acho que vai ser interessante esse estudo e como já estou lendo o capítulo 1 – Artífices, que fala sobre O artífice inquieto, A oficina, Máquinas e Consciência material, creio que ainda teremos muito a discutir...

E outros comentários também à publicar caso queiram participar dessa estimulante viagem...

Referências Bilbiográficas:

Sennett, Richard. O Artífice, Editora Record, 2009, 360 p.

Venturelli, Suzete. Informática aplicada às artes. / Suzete Venturelli, LúcioTeles. Brasília : Universidade de Brasília, 2007

[1] Sennett, Richard. O Artífice, Editora Record, 2009,18.

[2] Venturelli, Suzete. Informática aplicada às artes. / Suzete Venturelli, LúcioTeles. 26.

[3] Sennett, Richard. O Artífice, Editora Record, 2009, 20.

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