quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Um breve resumo do prólogo (parte) do livro “O Artífice” – Apenas um exercício


Com este comentário quero apenas mostrar o que penso deste texto como um todo apesar de não ter comentado sobre a segunda e terceira parte do prologo.Acho que o Autor comenta sobre Arendt para discordar que existe o Animal laborem e o Homo faber. Para ele os dois podem estar num só e isto é possível se aprendemos fazendo.
Maurílio Souza


Prólogo: O homem, criador de si mesmo

A caixa de Pandora

Hannah Arendt e Robert Oppenheimer

"Logo depois da crise dos mísseis em Cuba, aqueles dias de 1962 em que o mundo chegou à beira da guerra atómica, encontrei na rua com minha professora Hannah Arendt. Ela estava abalada com os acontecimentos, como todo mundo, mas também via confirmadas suas convicções mais profundas. Em A condição humana ela sustentava que qualquer produtor de coisas materiais, não é senhor em sua própria casa; a política é que deve tomar a frente. Chegara a essa conclusão na época (1945) em que as primeiras bombas atômicas foram criadas".


  • Na opinião de Arendt as pessoas que fazem coisas geralmente não sabem o que estão fazendo.



Aqui entra a figura da Caixa de Pandora: A cultura baseada em coisas produzidas pelo homem expõe constantemente ao risco de infligir danos a si mesmo.

No diário de Robert Oppenheimer, Diretor do projeto Los Alamos ele se tranquilizava afirmando: "Quando vemos alguma coisa tecnicamente agradável, vamos em frente e fazemos, e só pensamos no que fazer com ela depois de ter sucesso do ponto de vista técnico. Assim foi com a bomba atômica."

Oppenheimer afirmava que tratar a tecnologia como inimiga servirá apenas para deixar a humanidade ainda mais indefesa. Entretanto, tomado de preocupação com a bomba nuclear e seu filhote termonuclear, ele não podia, nesse foro político, oferecer aos ouvintes sugestões práticas de como enfrentar o problema. Se os especialistas não sabem o que fazer com o que criam, que dizer do público?

No entanto Arendt confiava firmemente que o público seria capaz de entender as condições materiais em que vive e que a ação política fortaleceria a determinação da humanidade de assumir o controle das coisas, ferramentas e máquinas no seu espaço.

"A condição humana, publicado em 1958, afirma a importância de os seres humanos se comunicarem de forma aberta e franca. Escreve Arendt: "A fala e a ação (...) são os modos como os seres humanos se mostram uns aos outros, não, na verdade, como objetos físicos, mas qua homens... Uma vida sem fala e sem ação é literalmente morta para o mundo”.

O fato essencial da vida é que nada perdura — embora na política precisemos que algo nos oriente, elevando-nos acima das confusões do momento.

  • Observação: Buscando o significado de “qua” Encontrei um texto sobre Arendt da Profa Mariângela Nascimento que, se não me engano, é professora da UFJF.

Aluno de Arendt há quase meio século, eu achava sua filosofia essencialmente estimulante, mas já então ela não me parecia exatamente adequada no trato das coisas materiais e das práticas concretas contidas na caixa de Pandora. A dificuldade de Arendt de lidar com Pandora repousa na distinção por ela estabelecida entre Animal laborem e Homo faber.

Para Arendt O Homo faber é o juiz do labor e da prática materiais, não um colega do Animal laborens, mas seu superior. Desse modo, na visão dela, nós, seres humanos, vivemos em duas dimensões. Numa delas, fazemos coisas; nesta condição, somos amorais, entregues a uma tarefa.

Também somos habitados por uma outra forma de vida, mais elevada, na qual deixamos de produzir e começamos a discutir e julgar juntos. Enquanto o Animal laborens está fixado na pergunta "Como?", o Homo faber pergunta "Por quê?". Esta divisão parece-me falsa porque menospreza o homem prático que trabalha. Para Arendt, a mente se ativa uma vez realizado o trabalho. Uma outra visão, mais equilibrada, é a de que o pensamento e o sentimento estão contidos no processo do fazer.

Deixar que o público "resolva o problema" depois de realizado o trabalho equivale a defrontar as pessoas com fatos em geral irreversíveis no campo concreto. O envolvimento deve ter início antes, requerendo uma compreensão melhor e mais plena do processo através do qual as pessoas produzem coisas, um envolvimento mais materialista que o encontrado em pensadores como Arendt. Para enfrentar Pandora, é necessário um materialismo cultural mais vigoroso.

A palavra materialismo deve aqui suscitar cautela; ela foi desvirtuada, conotada na história política recente pelo marxismo e na vida cotidiana pela fantasia e a ganância consumistas.

Quanto ao termo "cultura", apesar de centenas de significados modernos precisamos virar a página. E podemos fazê-lo simplesmente perguntando — embora as respostas nada tenham de simples — o que o processo de feitura de coisas concretas revela a nosso respeito ?

  • Uma observação: Aqui me parece ser um ponto importante do prólogo. Responder esta pergunta não é fácil! A resposta é parte do livro... acho. Pode ser interessante ler o que o tradutor do “O Artífice” escreveu.

"Para aprender com as coisas, precisamos saber apreciar as qualidades de uma vestimenta ou a maneira certa de escaldar um peixe; uma boa roupa e um alimento bem preparado nos permitem imaginar categorias mais amplas de "bom". Amigo dos sentidos, o materialista cultural quer saber onde o prazer pode ser encontrado e como se organiza. Curioso das coisas em si mesmas, ele ou ela quer entender como são capazes de gerar valores religiosos, sociais ou políticos. O Animal laborem pode afinal servir de guia para o Homo faber.

Chegando por minha vez à velhice, voltei mentalmente àquela rua do Upper West Side. Quero sustentar perante Arendt a argumentação de que não fui capaz na juventude: as pessoas podem aprender sobre si mesmas através das coisas que fazem, a cultura material é importante. Envelhecendo, minha mestra tornou-se mais esperançosa de que o tirocínio do Homo faber pudesse salvar a humanidade de si mesma. No meu outono, tornei-me mais esperançoso quanto ao animal humano no trabalho. O conteúdo da caixa de Pandora pode efetivamente tornar-se muito menos assustador; podemos alcançar uma vida material mais humana, se pelo menos entendermos como são feitas as coisas".

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O romance da flauta

Em busca de um mundo perdido: Métodos de flauta do Barroco ao século XX (Laura Rónai,Topbooks, 2008, 314 pp.) pode parecer algo distante, pelo título e pelo tema. Mas sua leitura, além de propiciar o encontro com uma erudição substantiva, nos conduz pelas inevitáveis tecnicalidades com saborosa leveza e um senso fascinante da contextualização histórica.

Por feliz coincidência, mergulhei no livro num momento em que trabalhava na tradução de outro — O artesão, do sociólogo americano Richard Sennett — sobre o papel da cultura material e dos vínculos entre a mão e a cabeça no conhecimento que temos do mundo e em nossa relação com ele.

Se tivesse de resumir a investigação de Sennett, eu diria que ele tende a mostrar o que a cultura ocidental pode perder com a separação entre abstração e materialidade, teoria e prática, expressão e técnica, arte e artesanato. O entendimento de que não existe uma superioridade da cabeça sobre a mão, mas uma relação de recíproca nutrição, é uma pista a ser retomada — sustenta — pela sociedade moderna: “Precisamos (…) virar a página. E podemos fazê-lo simplesmente perguntando (…) o que o processo de feitura de coisas concretas revela a nosso respeito.”

Professora da UNIRIO, conhecida Brasil afora por seus concertos e discos, Laura se especializou na flauta barroca e é um expoente internacional do movimento de revivescência dos estilos de épocas anteriores.

Entre os instrumentos de sopro da tradição ocidental, a flauta é o que mais depende de elementos imponderáveis no processo de produção da sonoridade: não conta com uma embocadura já preparada, ao contrário do oboé, da clarineta e do fagote, com suas palhetas, nem estabelece contato direto da boca com os orifícios por onde a coluna de ar adquire forma e direção, como no caso da trompa ou do trompete.

Essa dificuldade física é o ponto de partida de um complexo emaranhado de fatores em que o controle do ar soprado — e, portanto, o resultado musical — depende do tamanho e da forma dos lábios e da cavidade bucal; do estado de relaxamento ou tensão da garganta e das bochechas; dos golpes de língua e do ângulo de incidência da coluna de ar sobre o bisel (a “chanfradura feita na espessura do orifício do bocal”, pela qual o ar, resvalando, produz o som do instrumento); e até da postura do corpo e da cabeça ou da direção do olhar!

Como parece mais complicado (superficialmente, claro) que o ato de um pianista que simplesmente ataca as teclas com seus dez dedos e o peso dos braços, dos ombros e do tronco!

A dificuldade é ainda maior no caso da flauta barroca, que não dispõe de certos recursos facilitadores da moderna, como o sistema de chaves introduzido no fim do século XVIII para maior agilidade digital e produção de semitons cromáticos.

Se antes o instrumento se adaptava ao intérprete, é agora o contrário que deve acontecer. Explica Laura: “Se nos métodos antigos o ouvido é a medida de todas as coisas — caso o som obtido seja bom, todas as regras podem ser esquecidas –, nos métodos mais modernos prevalece a mecânica dos gestos — ou seja, se todas as regras forem seguidas, não há como não se chegar a um bom resultado.”

Toda essa grande (e gradual) virada é um dos pontos nevrálgicos do romance da flauta relatado por Laura Rónai. A paixão com que os teóricos desse período de transição desciam a detalhes e terçavam armas em torno de questões infinitesimais da técnica, da fatura do instrumento e da arte da interpretação dá conta do fim de uma era e da abertura de novos mundos. As mudanças na vida das sociedades, na cabeça das pessoas e na cultura musical se entrelaçam com harmônica artesania nas páginas de Em busca de um mundo perdido.

O que ficava para trás era um mundo de maior delicadeza e finura da prática e da escuta.


Richard Sennett

Uma Breve Biografia

Richard Sennett nasceu em Chicago em 1943. Ele cresceu no Projeto de Habitação Cabrini Green, um dos primeiros racialmente misto projetos públicos de habitação nos Estados Unidos. Aos seis anos de idade começou a estudar piano e violoncelo, eventualmente,trabalhar com Frank Miller, da Sinfônica de Chicago e Adão Noel do Quarteto Julliard. Sr. Sennett foi um dos alunos do último do maestro Pierre Monteux. Em 1963, uma lesão na mão colocar um fim repentino de sua carreira musical, para melhor ou pior que ele, em seguida,embarcou em estudo acadêmico.

Sr. Sennett formado na Universidade de Chicago e da Universidade de Harvard, tendo recebido seu Ph.D. em 1969. Ele então se mudou para New York, onde, na década de 1970 fundou, com Susan Sontag e Brodsky, Joseph, The New York Instituto de Ciências Humanas naUniversidade de Nova York. Na década de 1980 atuou como consultor da Unesco e presidente do Conselho Americano sobre Trabalho, ele também ensinou, ocasionalmente, em Harvard. Em meados de 1990 o Sr. Sennett começou a dividir seu tempo entre New York University e da London School of Economics. Além dessas casas acadêmica, ele mantém ligações informais ao MIT e do Trinity College, CambridgeUniversity. Mr.Sennett é casado com a socióloga Saskia Sassen. Ele continua a tocar música de câmara para o prazer, e é um cozinheiro apaixonado.


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