sexta-feira, 4 de maio de 2012
Um artigo da Revista Valor Econômico - A arte não fala por si
09/03/2012
ÀS 00H00
A arte não fala por si
Arte moderna = eu poderia fazer isso + sim, mas você não fez. Essa
simples equação, que se estende para a arte contemporânea e reflete antigo
preconceito, circula hoje em forma de piada nas redes sociais. No entanto, em
um momento de incertezas econômicas como o atual, em que o mercado de arte se
torna mais atrativo para investidores, nem equações de mentira dão conta de
simplificar uma realidade intrigante. O que faz uma obra atingir elevadas
cifras em leilões e vendas privadas? Como funciona o circuito que garante o
reconhecimento de determinado artista?
Respostas para essas questões tornam-se ainda mais subjetivas quando se
leva em conta que obras de artistas vivos estão atualmente no foco dos donos do
dinheiro. Em outro extremo do mercado, uma versão de "Jogadores de
Cartas", do francês Paul Cézanne (1839-1906), foi adquirida por cerca de
US$ 250 milhões, estabelecendo um novo recorde para uma pintura, no ano
passado. Ainda que pesem os interesses estratégicos dos compradores, a família
real do Qatar - cuja filha do emir, Sheikha Al-Mayassa, foi eleita recentemente
a pessoa mais poderosa do mundo das artes, pela revista "Art Auction"
-, e que o valor seja exagerado, a obra tem a seu favor a raridade e a importância
histórica de seu autor.
Mas, quando se fala em artista vivo valorizado, é necessário lembrar que
diferentes instâncias se beneficiam de uma produção em ritmo constante. No
caminho para se chegar "lá", o artista passa por um processo informal
conhecido como validação. O "lá" pode ser o mercado ou o
reconhecimento crítico e institucional, áreas que nem sempre se cruzam. Em
qualquer um dos casos, diferentes personagens das artes precisam dar uma
espécie de selo de aprovação. "É um sistema muito complexo. Não são só uma
ou duas pessoas que decidem. Um número extenso de plataformas de visibilidade e
de fatores é que determina a validação de um artista", afirma Adriano
Pedrosa, que recentemente foi curador da 12ª Bienal de Istambul, ao lado do
americano nascido na Costa Rica Jens Hoffmann.
"Você pode queimar um artista se
decidir lançá-lo no mercado prematuramente. É necessário usar o fator
tempo", diz o galerista Thomas Cohn
A ideia romântica de que talentos natos não precisam concluir uma
faculdade de artes não tem muito espaço na realidade atual, apesar do sucesso
de brasileiros como Leonilson (1957-1993), que não chegou a se formar. A
inexistência de uma instituição nos moldes da CalArts (California Institute of
the Arts, nos EUA) é uma das peculiaridades do circuito brasileiro, acredita a
escritora e socióloga canadense Sarah Thornton, que aborda o mercado de arte em
publicações como "The Economist" e "The Guardian".
Em um dos capítulos do seu livro "Sete Dias no Mundo da Arte",
Sarah descreve uma aula que chega a durar 15 horas, em que alunos expõem seus
trabalhos para debates com colegas de sala e o professor. Com mais de 250
entrevistados, o livro descreve sete diferentes instâncias percorridas por um
artista: leilão, escola, bienal, mídia, ateliê, feira e premiação.
A faculdade, nesse contexto, não é apenas o local onde o aluno aprende
os fundamentos teóricos e práticos da arte. É, também, onde o candidato a
artista fará os seus primeiros contatos profissionais. Foi na Goldsmiths
College onde o "blockbuster" Damien Hirst conheceu colegas do grupo
que ficou conhecido como Young British Artists, em fins dos anos 1980. Márcia
Fortes, da galeria Fortes Vilaça, em São Paulo , diz que foi em uma visita à
tradicional exposição Anual de Artes da Faap (exposição dos formandos da
faculdade) que conheceu a artista Marina Rheingantz e seu trabalho. Hoje, ela é
representada pela galeria, ao lado de nomes estabelecidos como Beatriz Milhazes
e Adriana Varejão. "O artista, hoje, acaba tendo que fazer networking. É
quase uma regra ele ir à abertura de uma exposição com seus trabalhos. Mas o
mais importante deveria ser a obra. Ela deveria falar por si só", afirma
Sarah.
Mostras como o Rumos Itaú Cultural, Panorama da Arte Brasileira (no
MAM-SP) e o Salão Nacional de Arte de Belo Horizonte/Bolsa Pampulha são espaços
coletivos importantes para os novos artistas. "São museus participando
desse início, onde nomes ainda não inseridos são apresentados ao circuito. É um
primeiro momento, institucional, em que o artista atua por si só", diz
Márcia. "Os galeristas e curadores antenados circulam nesses locais."
"Descobrir" um novo talento é glorioso em praticamente todas
as áreas da cultura, mas há um sabor extra nas artes plásticas. Mundo afora,
não faltam relatos de colecionadores que se gabam daquela obra de artista em
início de carreira adquirida por uma pechincha. É famoso o caso do ator e
colecionador Dennis Hopper (1936-2010), que, nos anos 1960, comprou por US$ 75
uma das pinturas de sopa Campbell de Andy Warhol (1928-1987). Há inúmeras
variações do trabalho cujos valores hoje ultrapassam a faixa do US$ 1 milhão.
São perspectivas positivas como essa que estimularam o surgimento, em
2010, do Brazil Golden Art, fundo de investimento pioneiro no país. Artistas
ainda não consagrados, mas com alto potencial de valorização, estão no foco.
Heitor Reis, que já foi diretor do MAM - Bahia, é hoje gestor do fundo e conta
que entre 10% e 15% das obras adquiridas são "blue chips".
Atualmente, o fundo tem 300 obras de 200 artistas brasileiros contemporâneos.
"Cerca de 80% da nossa coleção são 'small caps'. Esses artistas não
consagrados serão o grande acerto do nosso fundo", acredita Reis. Com um
patrimônio de R$ 40 milhões, o BGA já está fechado em 70 investidores (a cota mínima
era de R$ 100 mil). O fundo pretende montar uma coleção com mil obras.
Não há regras para as escolhas de curadores e galeristas. Tudo depende
de olhares individuais. "Meu interesse é pesquisar e disseminar artistas
fora do eixo do Atlântico Norte e da Europa: um Sul ampliado, o antigo Terceiro
Mundo", explica Adriano Pedrosa. Galerista pioneiro no Brasil dos anos
1980, Thomas Cohn ajudou a lançar nomes como Leonilson e Adriana Varejão e diz
que, em muitos casos, levou apenas cinco minutos para ver potencial em uma
obra. "Às vezes, você vê o talento, mas ainda verde. É necessário usar,
então, o fator tempo. Você pode queimar um artista se decidir lançá-lo no
mercado prematuramente. A sutileza vem com a experiência", diz Cohn, que
anunciou o fechamento de sua galeria (ele irá abrir uma relojoaria com peças
feitas por artistas, designers e arquitetos).
"Mercado de arte é atrelado à
economia. No momento em que o Brasil bombou, sendo a bola da vez, surgiram mais
investidores", diz gestor de fundo
Para Márcia e Cohn, o galerista tem também função de crítico e
conselheiro, sempre atento ao desenvolvimento do trabalho do seu artista. É uma
atualização da imagem clássica e secular do mecenas. "Artista sozinho com
seu trabalho, por mais talentoso que seja, não chega a lugar nenhum. O circuito
institucional, de museus, não vai garantir sua sobrevivência", diz Márcia,
para quem um artista de peso relevante deve ter representações também nos EUA,
na Europa e na Ásia. Muitos artistas, conforme vão vendo sua cotação subir, trocam
de galerista. "Para nós é ruim lançar, fazer um esforço danado, começar
com valores baixos, atingir determinado ponto e o artista se despedir
dele", afirma Cohn. "É como se ele dissesse: 'Bom, você já me serviu
de escada, agora me despeço porque preciso chegar a outro patamar'. Antes de
mais nada, artistas são seres humanos, com desejos pessoais."
Participar de uma importante exposição internacional quase sempre
garante uma validação, ao menos institucional. Bienal de Veneza, Documenta de
Kassel, além da Bienal de São Paulo e a de Istambul, são algumas das
principais. No passado, as participações de Cildo Meireles, Jac Leirner, José
Resende e Waltercio Caldas na Documenta de 1992 foram marcantes não apenas nas
suas carreiras individuais, mas também etapa marcante no processo de
internacionalização dos artistas brasileiros. A partir dos anos 1990, o
interesse estrangeiro pela arte latino-americana, além do retorno da democracia
ao Brasil, ajudou na profissionalização do mercado nacional. Já não seria tão
estranho ver obras de brasileiros em importantes coleções de museus como o MoMA
(Museu of Modern Art, em
Nova York ) e a Tate, no Reino Unido.
"Em tese, qualquer artista que é adquirido pelo MoMA ganha um ponto
muito elevado no circuito. Mas existem artistas que entraram na coleção do
museu e nem por isso conseguiram ou demoraram muito para ser reconhecidos. [O
brasileiro Alberto da Veiga] Guignard [1896-1962] é um exemplo", diz Tadeu
Chiarelli, diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
(MAC-USP). "Há artistas com uma validação extraordinária no mercado, seja
em leilão, seja em galeria, que são totalmente desprezados pelo circuito
institucional", afirma Adriano Pedrosa. Como exemplo, o curador cita o
artista colombiano Fernando Botero, que, apesar de estar na coleção do MoMA e
ser o artista latino-americano vivo recordista em leilão (US$ 2,03 milhão por
pintura em 2006), não é unanimidade entre a crítica.
Quando o assunto é venda negociada por galeristas, quantias elevadas
podem até prejudicar a reputação de um artista, caso o colecionador em questão
não tiver boa fama no mercado. Atualmente, no Brasil, ter uma obra no Centro de
Arte Contemporânea Inhotim, em Brumadinho (MG), conta pontos positivos. Formado
pela coleção do empresário Bernardo Paz, o espaço exibe obras de brasileiros e
estrangeiros consagrados, como Ernesto Neto e Matthew Barney. Numa recente
lista da revista "ArtReview" com o ranking das cem pessoas mais
poderosas do mundo das artes, Paz é o único brasileiro, em 76º lugar.
Revistas especializadas e a crítica são importantes nesse processo. A
"Artforum", nos EUA, e a "Frieze", no Reino Unido, são as
publicações que mais possuem força mundial na construção da reputação de um
artista. Apesar de sua credibilidade ser constantemente questionada devido aos
caros anúncios das principais galerias mundiais em suas páginas, a
"Artforum" tem papel de destaque no que deve ser levado a sério ou
não no circuito. Damien Hirst, Jeff Koons e Takashi Murakami, a trindade que
hoje alcança os maiores valores do mercado, embaralhando as fronteiras entre
arte e a empresarialização da arte, raramente têm estudos críticos nas páginas
da revista. Por outro lado, Adriana Varejão recentemente foi tema de um longo
artigo. Sua colega de geração Rivane Neuenschwander, além de Hélio Oiticica
(1937-1980), referência no processo de internacionalização da arte brasileira,
também estão nessa restrita lista.
Não há, no Brasil, publicações com o mesmo peso, ainda que o
fortalecimento do mercado gere uma demanda. Por isso, muitos profissionais que
atuam no circuito apontam particularidades do colecionador local. "O
Brasil tem um mercado provinciano e desinformado, muito ligado à moda. O
artista que se destaca é o que aparece nas colunas sociais, e não aquele que
está na cultura", diz Celso Fioravante, editor do site/informativo Mapa
das Artes, que traz notícias e roteiros sobre o circuito de exposições no
Brasil.
No Brasil, o mercado de arte é relativamente novo, se for feita uma
comparação com Europa ou Estados Unidos. Da geração que se destacou nos anos
1990 chamam a atenção a carioca Adriana Varejão, cuja tela "Parede com
Incisões à La Fontana II "
(2001) foi arrebatada por 1,1 milhão de libras em leilão na Christie's de
Londres no ano passado (maior valor já pago por obra de um artista brasileiro
vivo), e Beatriz Milhazes. "O sucesso delas não foi da noite para o dia.
Não há um momento de virada. Elas estão pintando há mais de 20 anos, estão na
labuta no ateliê. O que gerou esse sucesso? Foi todo um desenvolvimento de
currículo, diversas mostras institucionais", diz Márcia Fortes. "E
temos que lembrar que esse 1 milhão foi em um leilão. Nem Adriana e nem a
galeria viram a cor desse dinheiro."
O caso de Beatriz é exemplar nesse circuito de validação. Ela iniciou-se
nas artes plásticas na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, e, com a
coletiva "Como Vai Você, Geração 80?", realizada no mesmo local em
1984, foi identificada como parte de um grupo que incluía, entre vários outros,
Leda Catunda, Daniel Senise. Já nessa época, é observada por curadores
brasileiros como Paulo Herkenhoff e Ivo Mesquita, e iniciou participações em
exposições internacionais na América Latina.
Em 1995, Beatriz entrou no circuito mais badalado da arte, em exposição
no Carnegie Museum of Art, em Pittsburgh, EUA. No mesmo ano, começou a ser
representada em Nova York
por Edward Thorp, com quem fez sua primeira exposição em galeria estrangeira -
resultando em crítica positiva no "The New York Times". A partir daí,
Beatriz circula com desenvoltura no circuito internacional, entrando na coleção
de museus como o MoMA (EUA) e o Reina Sofía (Espanha). As participações na Bienal
de São Paulo (1998) e na Bienal de Veneza (2003) também são pontos altos da
carreira da artista. No mercado, Beatriz fez história em 2008, quando se tornou
a primeira artista brasileira viva a atingir a marca de US$ 1 milhão ("O
Mágico" foi vendida por US$ 1,049 mi na Sotheby's, em Nova York ).
O mercado de arte em expansão no Brasil tem estimulado o surgimento de
novas feiras. No ano passado, a primeira edição da ArtRio teve um total de
vendas de R$ 120 milhões. Em
São Paulo , a Parte apostou em galerias menores, com obras de
jovens artistas com preços até R$ 15 mil. Fernanda Feitosa, diretora da
principal feira de arte do Brasil, a SP-Arte, diz que o perfil do comprador
mudou e está mais jovem, na casa dos 20 e poucos anos. Ela cita uma
"sofisticação da informação" e o papel dos cursos livres nessa
mudança de perfil. Seguindo um mercado que existe no exterior, a Escola São
Paulo, por exemplo, oferece cursos e palestras que ensinam o aluno a colecionar
arte. "Mercado de arte é atrelado à economia. No momento em que o Brasil
bombou, sendo a bola da vez, com o PIB crescendo, muita gente jovem chegando ao
patamar dos ricos, com possibilidade de diversificar suas carteiras, surgiu
essa tendência de termos mais investidores e colecionadores", afirma
Heitor Reis.
Cifras milionárias em leilões internacionais, no entanto, não estão
necessariamente relacionadas a esse bom momento da arte brasileira.
Profissionais da área lembram que leilões são pontuais, guiados pela emoção e
pela pressão psicológica e, por isso, servem como validação apenas
mercadológica. De olho nas "possibilidades" que estão se abrindo no
Brasil, a tradicional casa de leilões Sotheby's recentemente abriu um
escritório no país. Para Katia Mindlin Leite Barbosa, presidente da Sotheby's
Brasil, o interesse do mercado por arte contemporânea responde a uma simples
equação: "Existe mais demanda para esse segmento porque a oferta de arte
moderna e impressionistas está diminuindo no mercado".
Em 2011, a
Sotheby's teve o segundo melhor resultado em sua história, com um total
consolidado de vendas de US$ 5,8 bilhões. A concorrente Christie's teve US$ 5,7
bi em vendas e anunciou um crescimento de 27% (em dólares) no setor de arte
contemporânea. Essa explosão, claro, não vem apenas de um amor súbito por arte
dos grandes compradores. Segundo o jornal "Financial Times", em uma
pesquisa da Family Bhive, espécie de rede social de milionários, entre mais de
70 banqueiros e gestores de investimento internacionais, arte foi identificada
como o ativo com melhores chances de retorno em 2012. "Obra de arte não
vira pó como as ações. Na pior das hipóteses, você continua usufruindo o prazer
de ser dono da obra", diz Katia, da Sotheby's.
Ao menos em leilões, os critérios na determinação de um preço são
subjetivos, ditados por especialistas próprios, e não pelo vendedor.
"Quando um artista chega à Sotheby's, já se pressupõe que ele tenha certa
bagagem, uma rede de colecionadores, 'dealers', de pessoas interessadas, que
ajudam a movimentar o mercado", diz Katia. Fatores como a reputação do artista,
a fase correspondente da obra, vendas anteriores de trabalhos parecidos são
levados em conta no estabelecimento do preço. "Temos uma expressão que são
os 'comparáveis', que vão dar o parâmetro para aquela avaliação", afirma
Kátia. Heitor Reis, do fundo de investimentos BGA, diz que é necessário um
trabalho de acompanhamento do mercado de arte para determinar quais obras irá
comprar. "Fazemos prospecção o tempo todo, indo a ateliês, conversando com
os formadores de opinião, diretores de museus, críticos. Tudo isso proporciona
a valorização de um artista", afirma. Empolgado, Reis diz que o potencial
de valorização é variável, mas pode chegar a otimistas 300 e 500% acima do CDI.
A aposta no novo e incerto é grande, e distorções podem surgir. "O
mercado está dando as regras. Isso coloca em risco a produção e a qualidade dos
artistas", afirma André Millan, da Galeria Millan. Quando se compara a
rápida aceitação pelo mercado de jovens recém-saídos da faculdade com veteranos
como Tunga, Cildo Meireles ou Waltercio Caldas, que levaram anos, nota-se uma
aceleração que reflete uma demanda "inconsequente", segundo o
galerista. "Não se sabe se essa produção de hoje existirá daqui a dez
anos. É uma produção que não tem lastro", diz Millan. Há anos no circuito,
Tadeu Chiarelli aponta mudanças no cenário brasileiro. Para ele, há uma certa
"banalização" de certas profissões, como a de curador, profissão que
também passa por um "boom" de novos nomes. Outra mudança, aponta, é o
pouco interesse de muitos jovens artistas, recém-saídos da faculdade, mas já em
importantes galerias, em doar obras a museus, tradicionalmente vistos como
ponto culminante no reconhecimento artístico. "A grande confusão no Brasil
hoje é: acredita-se que arte boa é aquela que está no mercado. Os colecionadores
confiam muito no mercado. Não existe a ponderação, a clareza de que é
necessário um tempo. O tempo da produção artística, do amadurecimento, é um
pouco mais lento que o do mercado."
Quando acertam em suas escolhas, críticos e curadores são celebrados
como visionários; galeristas e leiloeiros ganham de forma literal; museus
emprestam e ganham credibilidade ao adquirir obras. Uma vez que os critérios
para a validação de um artista são fluidos, não seriam possíveis manipulações?
Sarah Thornton acredita que fenômenos assim não podem ser criados, como
acontece na indústria musical - que rotineiramente cria "boy bands".
"Você pode mentir uma ou duas vezes, mas você não pode convencer uma
multidão por muito tempo", diz Sarah. Ainda que sejam muitos os atores no
processo, apenas um é determinante e real, tanto do ponto de vista
mercadológico quanto crítico: o tempo.
Este artigo resultou em comentários que a psicologa Leila Abrahão nos enviou. Transcrevo abaixo:
PARA FALAR DE SI
A equação “Arte moderna = eu poderia fazer isso + sim, mas você não fez” mencionada no início da matéria “A arte fala por si”, divulgada recentemente na Revista Eletrônica Valor Econômico (http://www.valor.com.br/ cultura/2562302/arte-nao-fala- por-si), e a pergunta colocada na matéria publicada no Caderno Dois do Jornal Tribuna de Minas, de 11 de março de 2012, “De que arte se fala?”, trazem reflexões sobre o processo de criação e inserção da arte no mercado consumidor atual.
A partir da opinião de diversos artistas e estudiosos contemporâneos, constata-se que para fazer arte, necessita-se de um pouco mais do que idéia, técnica, habilidade e inspiração, é preciso o uso de uma condição que está inscrita no próprio radical da palavra arte, ou seja, é preciso “capacidade de articular”.
E como articulação, entenda-se, o ato ou efeito de unir, juntar várias percepções e formas de fazer arte que atendam à proposta do artista, em consonância com sua formação, interesses e desejos e também com as exigências de um mundo marcado pelo imediatismo, pelas relações fluidas e laços flexíveis.
É necessário pensar a construção artística, rompendo com aspectos que cristalizam a prática do consumo descartável, da comercialização da obra baseada apenas em aspectos financeiros e da validação do trabalho, segundo uma grande variedade de critérios e tendências, que fogem muitas vezes do que seria considerada uma grande obra de arte.
Surge uma questão: Como o artista pode pensar o modo de fazer arte hoje - do processo de criação ao processo de comercialização, considerando, inclusive, sua relação com outros artistas?
Richard Sennett, em seu livro “O Artífice”, faz uma reflexão sobre a prática de um especialista sociável e o antissocial e, considerando exemplos da medicina, propõe que profissionais que não se mostram capazes de discutir alternativas , de se expor a críticas, de botar na mesa, frente aos colegas, suas percepções tácitas, têm sua capacitação se degradando com o tempo, em comparação com a de outros que se voltam para fora, que trocam entre si.
O homem é um ser gregário e desde seu nascimento vive em grupo – família, comunidade, escola, trabalho. Em todos os momentos precisa interagir e, sob vários aspectos, depende do outro para sobreviver. Assim, é inegável sua condição de dependência, ou melhor, de interdependência , que não deve paralisá-lo, mas inseri-lo na autonomia e na capacidade de decidir sobre os limites de expansão na relação com o outro.
A ação em grupo traz a possibilidade do aprendizado, já que lidando com as diferenças, tem-se no outro uma chance de integração de idéias, complementaridade de pensamentos e visão compartilhada.
O psiquiatra Jacob Levy Moreno, nos idos de 1914, escreveu esse poema:
Mais importante do que a ciência é o seu resultado,
Uma resposta provoca uma centena de perguntas.
Mais importante do que a poesia é o seu resultado,
Um poema invoca uma centena de atos heroicos.
Mais importante do que a procriação é a criança.
Mais importante do que a evolução da criação é a evolução do criador.
Em lugar de passos imperativos, o imperador.
Em lugar de passos criativos, o criador.
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos
e colocá-los-ei no lugar dos meus;
E arrancarei meus olhos
Para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu ver-me-ás com os meus.
Assim, até a coisa comum serve o silêncio
E nosso encontro permanece a meta sem cadeias:
O Lugar indeterminado, num tempo indeterminado,
A palavra indeterminada para o Homem indeterminado.
J. L. Moreno é o criador de um método de intervenção, através da ação, chamado Psicodrama, que tem sua fundamentação no Teatro Grego. Para o autor, o homem nasce dotado de espontaneidade, criatividade e sensibilidade, que ao longo da vida vão sendo perturbadas pelas interações nos meios sociais. No entanto, ele acreditava na possibilidade de recuperação desses fatores, com a mudança no padrão das respostas passando de algo estereotipado para uma resposta integradora, o que conduziria a um novo aprendizado, à renovação das relações afetivas e da ação transformadora sobre o meio.
As intervenções com o Psicodrama trazem a possibilidade de trabalhar os grupos, o indivíduo em relação com o outro, enfocando a capacidade de relacionamento respeitando a si próprio e ao outro e encontrando, através do desenvolvimento da espontaneidade, saídas adequadas para as situações vivenciadas.
O Psicodrama aliado à metodologia do Coaching – processo utilizado no desenvolvimento do papel profissional – amplia a percepção do indivíduo sobre si mesmo, sobre o outro e sobre a relação entre ambos, aumentando a criatividade e conectando as dimensões do pensar-sentir-agir, visando a elaboração do planejamento de ações e o acompanhamento de sua realização.
Nesse momento, vocês devem estar se perguntando, por que falar de Coaching e Psicodrama para artistas? Mais importante que a pergunta é a ação, e deixo como um convite a possibilidade de se pensar em conjunto formas de aprofundar o conhecimento e desenvolver habilidades e atitudes que tragam melhores resultados ao criador.
Leila Cristina Abrahão leila.abrahao@hotmail.com
Psicóloga pelo CES/JF, graduada em Comunicação Social pela UFJF, pós-graduada em Marketing pela FMS/Grupo Prisma, formação em Psicodrama Sócio-Educacional com foco em Organizações e Coaching com Psicodrama, pela Potenciar Consultores e Associados/SP. Capacitação em Jogos de Empresa e Ciclo de Aprendizagem Vivencial (Centro Cape/BH). Experiência como coordenadora de grupos de desenvolvimento de equipes multiprofissionais do PSF/JF, e de grupo de mulheres artesãs nas OSBP/JF. Consultora autônoma de desenvolvimento humano em empresas públicas e privadas.
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